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Em Pauta Conjuntura

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Em Pauta Especial: Marisa Letícia, presente!

24 de maio de 2017

Foto da fundação do Partido dos Trabalhadores.

A ex-primeira-dama Marisa Letícia Lula da Silva faleceu na sexta-feira, 3 de fevereiro de 2017, às 18:57. O velório ocorreu no sábado (4), das 9h às 15 h, no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, onde o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e Dona Marisa Letícia se conheceram. Em seguida houve, no Cemitério Jardim da Colina, uma cerimônia de cremação reservada à família.

Marisa estava internada desde o dia 24 de janeiro no Hospital Sírio Libanês, após ter sofrido um AVC – acidente vascular cerebral hemorrágico. Chegou a passar por um procedimento cirúrgico, por meio de cateter, e os médicos conseguiram estancar o sangramento. Um exame feito na manhã de quinta-feira (2), porém, mostrou que a ex-primeira-dama não tinha mais fluxo sanguíneo no cérebro. Na manhã de sexta, a família de Lula informou que Marisa passaria por um protocolo de avaliação de morte cerebral. A família já havia autorizado a doação dos órgãos.

A Escola Nacional de Formação do PT preparou um Em Pauta Especial para homenagear e relembrar a trajetória dessa companheira guerreira, que estará sempre presente em nossos corações!

Marisa Letícia, presente!

 

Marisa Letícia, 1950-2017, filha do Brasil

“A primeira bandeira do PT fui eu que fiz. Tinha um tecido vermelho, italiano, um recorte, guardado há muito tempo. Costurei a estrela branca e ficou lindo. Minha casa era o centro. Foi assim que começou o PT.”

Marisa Letícia tinha 29 anos quando costurou uma estrela branca sobre um pano vermelho e concebeu aquela que viria a ser a primeira bandeira do Partido dos Trabalhadores, antes mesmo de sua fundação oficial, em fevereiro de 1980. Pouco depois, em abril, seu marido seria preso pela primeira vez e ficaria detido por 31 dias no DEOPS de São Paulo por exercer o direito à greve e à luta por direitos trabalhistas — quando a regra era o silêncio, a opressão, o arbítrio.

Marisa seguiu costurando e não parou mais: o sonho, a resistência, a família, o futuro. E carimbou sua estrela não apenas no tecido vermelho, mas também na história do Brasil.

Filha de pequenos agricultores de origem italiana estabelecidos num sítio modesto na zona rural de São Bernardo do Campo, região metropolitana de São Paulo, Marisa foi a décima filha entre as 11 crianças de Regina Rocco Casa e Antônio João Casa. Nasceu numa casa simples, na periferia de São Bernardo, e cresceu vendo o pai e os irmãos carregarem uma charrete com verduras e legumes para vender no mercado. Ainda criança, mudou-se com a família para o centro da cidade. Filha do Brasil, Marisa começou a trabalhar aos 9 anos, como babá. Dos 13 aos 19 foi operária numa fábrica de chocolates. Largou para casar.

Marisa se casou pela primeira vez aos 19 anos, em 1970, com o motorista de caminhão Marcos Cláudio dos Santos. Entre um frete e outro, carregando areia para construção civil, Marcos fazia bico dirigindo o táxi de seu pai nas ruas de São Bernardo. Seis meses após o casamento, foi assassinado num assalto. Marisa estava grávida de quatro meses. Seu primeiro filho recebeu o nome de Marcos Claudio, em homenagem ao pai que jamais conheceu.

Aos 23 anos, a jovem viúva Marisa trabalhava como inspetora em um colégio estadual quando conheceu o também jovem viúvo Luiz Inácio da Silva, o Lula, então diretor do departamento jurídico do Sindicato dos Metalúrgicos e responsável pelo setor de previdência social. Lula, com 27, tinha perdido a mulher e o filho durante o trabalho de parto dois anos antes. Marisa procurou por ele no sindicato para solicitar um atestado de que precisava para receber a pensão a que tinha direito. Era o final de 1973.

Foto: Marisa e Lula nos anos 70. Arquivo pessoal/Instituto Lula

Lula já tinha ouvido falar sobre aquela moça. Sem carro, e sem ônibus que servisse a cidade após as 22 horas, Lula recorria ao táxi de Seu Cândido quando precisava voltar para casa mais tarde. Papo vai, papo vem, Lula soube que o filho de Seu Cândido havia morrido num assalto, naquele mesmo táxi. O taxista falava coisas sobre o neto e sobre a nora, que era viúva como ele, que era muito bonita, coisa e tal. Quando Marisa apareceu em sua sala à procura de um atestado, Lula não imaginava que era a nora de Seu Cândido. Mas bastou que ela respondesse às perguntas do formulário para Lula juntar os pontos. Viúva, marido morto num assalto num táxi, filho com 2 anos… “Você é a nora do Seu Cândido?”, ele perguntou. Cinco meses depois, Lula e Marisa estavam casados.

“Eu assumi o Marcos como se fosse meu filho quando casei com a Marisa”, disse Lula em entrevista reproduzida no livro “O Filho do Brasil”, de Denise Paraná. “Ele tinha três anos, a mesma idade que teria meu primeiro filho, se ele estivesse vivo”. Quando nasceu o primeiro filho biológico de Lula e Marisa, Fábio Luís, em 1975, o casal convidou Seu Cândido e a mulher, Dona Marília, para serem padrinhos do menino.

Com Lula, Marisa, que o marido costumava chamar de “Galega”, teve mais dois filhos: Sandro Luís, em 1978, e Luís Cláudio, em 1985. A família se completa com a enteada Lurian, de 1974, fruto do namoro de Lula com Mirian Cordeiro, anterior ao casamento com Marisa.

Dona de casa desde o nascimento de Fábio, Marisa foi sempre muito presente na militância do PT e desempenhou papel central na trajetória política do marido. Um ano depois do casamento, Lula assumiu a presidência do sindicato, mergulhando de cabeça na vida política. Durante as grandes greves dos metalúrgicos entre 1978 e 1980, e também nos primeiros anos do PT, transformou sua casa em local de reuniões intensas e frequentes, por vezes diárias, onde foram gestadas algumas das mais importantes estratégias de luta e também os sonhos de um país mais justo e democrático.

Marisa, em abril de 1980.

Quando Lula foi preso, em abril de 1980, e ficou 31 dias no Departamento de Ordem Política e Social de São Paulo, o DEOPS, Marisa se engajou na organização do fundo de greve e liderou uma marcha de mulheres que tomou as ruas de São Bernardo em 8 de maio, caminhando na linha de frente de mãos dadas com os filhos. Visitava o marido todos os dias na prisão, e, quando o filho Marcos, aos 10 anos, cismou de não querer mais ir à escola para não ouvir seus colegas o acusarem de ser “filho de bandido”, foi obrigada a administrar, sem perder a dureza nem a ternura, os primeiros sintomas da perseguição política que ela e os filhos seriam obrigados a administrar, até hoje.

“Hoje parece loucura. Fizemos uma passeata das mulheres em 1980, quando os dirigentes sindicais estavam presos. Encheu de polícia. Os homens queriam dar apoio, mas dissemos não. Fizemos só com as mulheres, eu de mãos dadas com meus filhos à frente.”

Passeata em apoio aos sindicalistas presos em 1980. Imagem: Reprodução TVT

Após três campanhas eleitorais frustradas, Lula foi eleito presidente da República em 2002. Marisa virou primeira dama em 1º de janeiro de 2003. Ao longo de oito anos, reformou o Palácio da Alvorada, introduziu as famosas festas juninas da Granja do Torto no calendário oficial de Brasília, e teve atuação discreta, mantendo sob sua responsabilidade a logística da casa, a administração financeira da família, o guarda roupa do marido, o zelo pela privacidade e pela intimidade dos filhos. Esteio e alicerce são duas palavras constantemente utilizadas pela imprensa para se referir a ela.

 

A despedida emocionada de Lula à Dona Marisa

Homenagem de Lula à Dona Marisa

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez um discurso emocionado no velório da ex-primeira-dama Marisa Letícia, no Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo (SP). “Não esqueço nunca dos acontecimentos deste salão. Foi aqui que eu conheci a Marisa, foi aqui que eu casei, aqui nós tivemos os nossos filhos. Aqui Marisa sustentou a barra para me transformar no que me transformei”, disse Lula. Leia e assista na íntegra a fala de Lula durante a despedida de Dona Marisa.

 

Relato de uma professora que esteve presente ao velório de Dona Marisa

“Acabei de chegar do velório da D. Marisa. Fui cedo, fiquei na fila esperando a cerimônia privada acabar e os portões serem abertos para a pueblo. No meios das escadas, avisam: tenham paciência, Lula faz questão de apertar as mãos de todos. Pensei: como? Olho para fila, não consigo imaginar como seria. Segui, com minha amiga e um aluno de 16 anos. Quando chegou a minha vez, só consegui dizer: Trago todo meu amor e gratidão ao senhor e D. Marisa. Força, presidente!!! Eu estendo a mão e ganho um abraço apertado, como alguém que abraça um filho. Foi assim que senti. Mas, o momento mais emocionante e lindo, foi o que aconteceu com o meu aluno. Pedro Henrique, de 16 anos, envolto a uma bandeira vermelha, diz algumas palavras chorando e se abraçam. Pedro sai para dar vez a outro. Lula puxa Pedro pelos braços e, novamente, o abraça, mas o abraça de forma prolongada e emocionado. Foi impossível não se desmontar ali. Quem viu se desmanchou, também. Mas eu sei o que Lula viu no Pedro: o amor sincero e a ESPERANÇA na juventude!!!! O menino de 16 anos, de olhos lacrimejados foi um pequeno sopro de alento. Eu vi! Vi nos olhos dos dois. Lula é o cara!!! Que Deus perdoe os que não sabem o que falam”.

 

Homenagem de Bia Lula à Dona Marisa

“Quem conheceu Marisa sabe que ela era “osso duro de roer”. Não se deixava abater tão fácil por nada, era mulher de fibra, forte como poucas que conheço. Marisa foi uma mulher que admiro, e bato palmas.

Marisa foi a base para que meu Avô, o grande Luiz Inácio, pudesse chegar aonde chegou. Vocês podem ter certeza, sem ela, o caminho seria MUITO mais difícil do que foi e muito mais doloroso.

Marisa ficou ao lado do meu avô em TODOS os momentos. Aguentou prisão, aguentou perseguição, aguentou a vida sindical, aguentou câncer, aguentou presidência da república (não deve ser fácil ser mulher do Presidente da República, né?!), aguentou mais perseguição, aguentou gente invadindo sua casa e carregando tudo o que via pela frente, aguentou xingamentos, aguentou muita coisa, e olha…Apesar de tudo isso, ela não sei deixava abater, não se permitia deixar abater. Talvez fosse para dar suporte ao meu avô, talvez fosse para não perder a banca de durona… Não sei… Só sei que Marisa era dura na queda.

Lembro de um dia, com toda a confusão de perseguição política que estamos vivendo, encontramos com meu Avô e minha mãe pergunta: “Pai, como tá a Marisa? Achei ela tão abatida.” Ele riu e falou algo do tipo: “Se eu falar que você falou isso dela, ela vai querer te mandar para aquele lugar e vai dizer que está ótima!”

Marisa não era minha Avó. Mas Marisa foi a mulher que meu avô escolheu para viver e ser sua companheira para o resto da vida. Com toda a certeza, foi uma das melhores escolhas do meu avô, mais companheira que ela eu desconheço.

Marisa, era uma militante ímpar, costurou a primeira bandeira do PT, fez sua casa sede do partido, e foi assim que tudo começou para nós militantes. Sem a compreensão de Marisa, sem sua postura, sem seu companheirismo a luta seria muito mais dura, mais difícil.

Neste momento de dor e luto para todos nós da família, só tenho a agradecer por tudo, que Marisa fez pela minha família, pelo meu avô. Agradecer por tudo que ela fez pelo meu partido. E por tudo que ela representou para o país.

Marisa parte desse mundo, com a certeza, de que sem ela, muita coisa seria impossível. Que o universo, Os Deuses, te recebam de braços abertos, e que nos deem força para seguir em frente e dar suporte para Luiz Inácio.

Analua vai chegar e não vai conhecer a grande companheira que seu bisavô teve. Mas vou contar sobre você, sobre tudo o que você representou.

Vá em paz, grande Mulher!”

Marisa Letícia, PRESENTE! (Hoje e sempre)

 

Recado para Marisa

Por Dora Martins, juíza da Vara de Infância

Cara Marisa, os médicos anunciaram que você partiu, seu cérebro morreu. Assim, já liberta dos tubos e aparelhos do hospital, sei que você agora, de onde está, pode me ouvir. Saiba que tem muita mulher triste com sua partida! Você muito significou para o Brasil e para as brasileiras ao estar sempre junto ao seu marido, quando sindicalista e presidente da república.

Porém, mais que isso, você significa a mulher brasileira, nascida em família simples, bem perto da terra e que desde jovem pegou no batente, sem medo de viver e lutar pela vida! E você viveu. E você lutou. Você foi nossa exemplar “mulher do presidente”, você bem ocupou um palácio e deu a ele um jeito de lar brasileiro. Reclamaram que você não dava entrevista. Compararam você com outra, que tinha diplomas vários. Que bobos! Nem sabem o canto que diz que “quando canta o sabiá/sem nunca ter tido estudo/eu vejo que Deus está/por dentro daquilo tudo”!

E você Marisa, como toda mulher, viveu, amou e sofreu, amargou perdas, sangrou no corpo e na alma. Dizem os mais perplexos que você foi assassinada. Não por incidente aéreo qualquer, mas pela pressão que fizeram sobre sua vida, sua paz caseira, seu jeito simples de ser mãe, companheira de seu homem, amiga de seus amigos.

É verdade que atormentaram muito você! É verdade que até alguns indivíduos chegaram a vociferar contra você, sua vida e dignidade, mesmo quando você foi socorrida ao hospital! Não considere isso, querida Marisa! Estão equivocados, são néscios e mal educados, sobretudo. E, eu sei, e concordo, que este nosso Brasil anda meio sem jeito, desandado que é só, até perigoso, mesmo safado. Falam mal, julgam e condenam, sem justiça ou piedade.

Mas, o que emociona e merece celebração, Marisa, é que você, afinal, não morreu! Seu coração será doado, e você vai ficar por aqui, batendo segura num peito brasileiro. E alguma mulher ou homem irá, por mais um tempo bom, no tum tum de seu coração, reverberar você e seus sorrisos alegres, sua simplicidade de viver e mais que tudo, sua dignidade e autêntica fidelidade ao seu marido, sua família e a este Brasil, ora tão carente de afetos sinceros.

Aos que por atroz desumanidade regozijarem-se com sua partida, daremos o perdão a ser dado aos ignaros e aos brutos. E esses, querida Marisa, por certo não sabem nada de poesia, não conhecem versos e ignoram que “para isso fomos feitos: Para a esperança no milagre/Para a participação da poesia/Para ver a face da morte/De repente nunca mais esperaremos…/Hoje a noite é jovem;/ da morte, apenas/Nascemos, imensamente”.

 

Marisa Letícia, como ela aguenta?

Por Camilo Vannuchi

Foto da família Lula da Silva.

1986. São Bernardo do Campo. Eu tinha acabado de completar 7 anos de idade e acompanhava meu pai num dia de intensa atividade política. Assessor do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo e militante do PT, meu pai estava envolvido, naquele mês de setembro, na campanha de Lula para a Câmara dos Deputados, mais precisamente para a Constituinte. A noite caiu e ainda faltava uma última agenda a cumprir. Vai ficar tarde para mim. “Deixa ele aqui com os meninos”, ela convidou. Ele era eu. Fiquei. Havia uma sala pequena, uma TV ligada, outros três garotos de diferentes idades distribuídos entre sofá e tapete. Carrinhos. Um e outro boneco da Marvel ou da Liga da Justiça. Talvez dos “Comandos em Ação” — minha memória já acusa o impacto inevitável dos 30 anos que nos separam dos eventos aqui narrados. Tinha também um menino de 1 ano naquela casa, por certo guardado em segurança em algum outro cômodo. Adultos entravam e saíam, buscavam camisetas e bandeiras, discutiam o noticiário, telefonavam.

Lembro que a mulher que havia me convidado para passar a noite ali com seus filhos colocou sobre um balcão dois pacotes de pão de forma, um pote de manteiga, um saco com queijo fatiado e outro com presunto. “Você cuida deles?”, perguntou para o garoto mais velho, já adolescente. O rapaz, de uns 15 anos, começou a fazer “tostex” pra todo mundo. Eu adorava tostex. Ainda adoro. Uma coisa, no balcão, me chamou atenção. Havia ali garrafas de refrigerantes enormes, de plástico, as maiores do mercado, com 2 litros cada uma, lançamento recente no Brasil. Eu nunca tinha visto aquilo. Só conhecia as garrafas de 1 litro, de vidro, retornáveis, e as de 300 mililitros, “KS”, todas de “casco”, como se dizia. Acabou tudo rapidinho. O refrigerante e os dois pacotes de pão. Como comiam, aqueles meninos… Estranharam minha recusa em aceitar um segundo sanduíche. “Nessa casa é três pra cada um”, brincou a mãe, orgulhosa dos moleques. O apetite dos moleques era proporcional à capacidade de fazer bagunça, eu notei. Cresci sozinho com minha mãe, embora visitasse meu pai semanalmente, às quartas-feiras e em fins de semana alternados. Em setembro de 1986, eu tinha apenas uma irmã de 1 ano e esperava nascer a segunda. Apenas nas férias convivia com os primos, em casas cheias e movimentadas como aquela, com muita farra, barulho e confusão. E aquela mãe, em especial, dava ordens aqui, instruía ali, ajeitava acolá, tudo ao mesmo tempo. Como ela aguenta? — pensei.

2007. Brasília. Tive a oportunidade de escrever e publicar um livro sobre a trajetória de um executivo, então sexagenário, que comandara por 30 anos uma empresa de metalurgia e mineração, líder mundial em sua especialidade. Tendo se aproximado de Lula ainda nos anos 1980, construíra uma relação de respeito e colaboração que, no início do século 21, culminara num convite para que ele, o executivo, assumisse a presidência do Instituto Cidadania, organização não-governamental liderada por Lula da qual o metalúrgico teve de se afastar ao assumir a Presidência da República, em 2003. Fomos a Brasília fazer um jantar de lançamento do livro. A mulher que, duas décadas antes, insistira para que eu aceitasse um segundo tostex, agora representava o Presidente da República.

Havia meia dúzia de ministros ali. Alguns empresários. A mulher circulava, transitava, falava com todos, e ao mesmo tempo parecia não estar ali. Discreta. Num determinado momento, engatamos uma conversa rápida, fugidia. Alguém na roda sugeriu que eu fizesse um livro sobre ela. “Quem sabe”, ela disse. A conversa migrou para o dia a dia no Alvorada, tão diferente da casa de pau-a-pique em que ela nascera. O palácio presidencial passara por reformas. Ela nos revelou o estado em que havia encontrado o imóvel. Prestes a completar 50 anos, o edifício projetado por Oscar Niemeyer tinha rachaduras, goteiras, infiltrações, paredes descascadas. A primeira-dama falou também sobre a Granja do Torto, as festas juninas, a condução da reforma, a administração de tudo. Dois anos antes, havia estourado o escândalo do Mensalão, uma porrada no PT e em Lula, agora chamado de ladrão: um abalo sísmico que quase impossibilitou o segundo mandato e que fez boa parte da opinião pública se voltar contra o presidente, a mulher e os filhos. Como ela aguenta? — pensei.

2009. São Paulo. Repórter numa revista mensal, fui convidado pelo diretor da publicação a escrever uma reportagem contando a prisão do Lula em 1980 e esmiuçando os 31 dias em que o sindicalista ficou detido no DEOPS (Departamento de Ordem Política e Social), entre abril e maio daquele ano. Era dezembro, agora, e o plano era publicar a matéria na edição de janeiro de 2010, meses antes de a prisão completar 30 anos. Mais da metade do eleitorado brasileiro em 2010 não estava vivo em 1980 ou não tinha idade para acompanhar as notícias. Era o início do último do governo Lula. Nunca antes na história deste país um presidente terminara o mandato com tamanha popularidade. Seria no mínimo curioso relembrar o período em que ele, por dedicar sua vida à luta por democracia e justiça social, foi chamado de “inimigo do Estado”. Procurei a primeira dama. Depois de entrevistar um monte de gente, incluindo cinco companheiros de cela, veteranos do sindicato, amigos próximos e o próprio Lula, estava numa festa quando tocou o celular. Era ela. Busquei o canto mais silencioso, o mais distante possível da pista, e fiz a entrevista ali mesmo.

Ela me contou sobre 1980. As greves. A perseguição. As ameaças. Os carros pretos e sem identificação que rondavam sua casa nas semanas que antecederam a prisão. A manhã em que bateram na porta e levaram seu marido. As visitas ao marido no xadrez. A mobilização dos operários e das operárias. A marcha das mulheres. Das histórias, fui sensibilizado com uma em especial. Um dos filhos, provavelmente o mais velho, então com 9 anos, não queria mais ir à escola. Os colegas o chamavam de filho de bandido, e aquilo doía demais. Nele e nela. A mulher de Lula sentira ali, pela primeira vez, a crueldade que podem ter as crianças quando o discurso de ódio, dos pais e da opinião pública, é constante. Como ela aguenta? — pensei.

2016. São Paulo. Policiais federais realizam buscas no apartamento em que Lula vive com a mulher em São Bernardo. Abrem armários, reviram objetos, espalham documentos. Lula é levado para prestar depoimento no aeroporto, local escolhido para viabilizar sua condução imediata a Curitiba. Apartamentos dos filhos também são invadidos e revirados. Vazam gravações telefônicas abusivas, ilegais. Grelo duro. STF acovardado. Tchau, querida. Num dos áudios reproduzidos na TV e na internet, não se escuta a voz do ex-presidente, mas a voz daquela mulher que me convidou para passar a noite em sua casa e me ofereceu um segundo tostex quando eu tinha 7 anos. Conversa privada, com o filho. Dois seres humanos acossados, perseguidos como em 1980. O cerco é violento e desproporcional. Não respeitam nada. O filho do Lula isso, a nora do Lula aquilo. Anos antes, quando Lula enfrentou um câncer, houve a torcida para que ele morresse. Ela lhe fez a barba. A alcova também foi devassada. O noticiário, com escárnio, inventou uma namorada para Lula. Depois um apartamento, depois um sítio. Até vir o indiciamento. Dele e dela. Como ela aguenta?

2017. São Paulo. Uma crise hipertensiva fez romper um aneurisma cerebral na mulher do Lula. O AVC foi grave, gravíssimo. Foi preciso embolizar, procedimento cirúrgico realizado para conter o sangramento intracraniano. “Tem que romper no procedimento”, escreveu um neurologista num grupo de WhatsApp. “Daí já abre a pupila. E o capeta abraça ela.” Nas rádios, editoriais e obituários optavam por reproduzir o áudio vazado ilegalmente em que ela e o filho comentavam os panelaços, sem disfarçar a intenção perversa de mostrar, quantas vezes for preciso, que aquela mulher fala palavrão.

Não há constrangimento na perseguição. É enraizada. É absoluta. Ampla, geral, irrestrita. A confraria do ódio se divide entre duas correntes de pensamento: há os que torcem por sua morte, de um lado, e, do outro, os que temem o que pode acontecer depois que a campanha sistemática contra Lula e família fizer sua primeira vítima. Mas a mulher de Lula, filha de pequenos agricultores de ascendência italiana estabelecidos na periferia de São Bernardo do Campo, babá aos 9 anos, operária aos 13, viúva aos 19, grávida de 4 meses, quando o primeiro marido foi morto num assalto, responsável por costurar a primeira bandeira do PT, ela insiste em permanecer viva. Os médicos anunciaram a ausência de fluxo cerebral, mas o coração insiste em bater. A família já autorizou os procedimentos para uma possível doação de órgãos, mas ela ainda respira. A sedação foi suspensa há mais de 24 horas, mas o pulso ainda pulsa. Como ela aguenta? Como ela aguenta, meu Deus?

Marisa Letícia Lula da Silva, obrigado por tudo. Pela luta, pelo exemplo, pela coragem, pelo tostex, pelo carinho. Agora é com a gente. “Todos juntos somos fortes”, escreveu um amigo nosso numa velha canção. “Ao teu lado há um amigo que é preciso proteger”, diz outro verso da mesma música. Seguiremos em corrente. O bastão é nosso. Teus filhos seguem unidos, calejados por tantas tormentas, e sairão desse episódio mais fortes. Lula voltará. Até porque nunca nos deixou. De esperança em esperança. Na esperança sempre.

 

‘Marisa e Lula’

Editorial da Carta Maior

Chegará o dia em que o enredo pronto que existe dentro da legenda ‘Marisa e Lula’ merecerá o olhar de um cineasta brasileiro.

Um diretor atento a um Brasil contra o qual a mídia sempre manteve, e intensificou, uma relação depreciativa, mais belicosa e obsessiva que a dispensada agora aos veículos de comunicação por Trump, enxergará neles a personificação de um dos períodos mais generosos e vitais da vida nacional.

O improvável revestirá os passos iniciais na trajetória deste casal de trabalhadores no maior polo industrial do Brasil.

Um homem e uma mulher de origem simples, jovens mas viúvos, apetrechados no máximo de um cristianismo ingênuo a revestir a luta pela sobrevivência, um dia abriram a porta de sua casa a uma visitante ilustre, para nunca mais fechá-la. Leia mais aqui.

 

Ao nosso querido Lula

Por Eugênio Aragão

Acordei atormentado hoje, Lula. Como se não bastasse a tensão destes tempos, com o passamento de Teori Zavascki e as tenebrosas transações que lhe seguiram, no esforço de blindar uma ninhada de ratos esbulhadores do poder, desperto sob a angústia do momento dramático que assombra sua família. Para me manter firme, ligo o som de meu carro ao levar os meninos para a escola, ouvindo “Mais uma vez” do saudoso Renato Russo:

“Mas é claro que o sol vai voltar amanhã Mais uma vez, eu sei

Escuridão já vi pior, de endoidecer gente sã

Espera que o sol já vem…

Tem gente que está do mesmo lado que você

Mas deveria estar do lado de lá

 

Tem gente que machuca os outros Tem gente que não sabe amar

Tem gente enganando a gente

Veja a nossa vida como está

Mas eu sei que um dia a gente aprende

Se você quiser alguém em quem confiar Confie em si mesmo

Quem acredita sempre alcança!

 

Mas é claro que o sol vai voltar amanhã Mais uma vez, eu sei

Escuridão já vi pior, de endoidecer gente sã

Espera que o sol já vem

Nunca deixe que lhe digam que não vale a pena

Acreditar no sonho que se tem

Ou que seus planos nunca vão dar certo

Ou que você nunca vai ser alguém

 

Tem gente que machuca os outros

Tem gente que não sabe amar

Mas eu sei que um dia a gente aprende

Se você quiser alguém em quem confiar

Confie em si mesmo

Quem acredita sempre alcança!”

Pois é, Lula. Com seu enorme coração, no meio de implacável perseguição que promovem a si e a seus entes queridos, pessoas sem um milésimo de sua dignidade, você é submetido a esse agudo padecimento pela situação extrema de sua companheira e esposa, Marisa Letícia, com quem tem vivido por mais de trinta anos. Só gente grande, como você, para suportar tamanha provação com a conformação que lhe é própria.

Conformar-se, diferentemente do que muitos pensam, não é pendurar as chuteiras, não é entregar-se, não é jogar a toalha. É ter capacidade de assumir, na alma, a forma das circunstâncias, para a elas se adaptar. Para melhor lidar com desafios inevitáveis. Por isso, “com-formar”. É atitude de sabedoria, de fazer-se senhor do destino e não se abater por ele.

Lula, você tem estoicamente aguentado desaforos, insultos, injustiças, manobras vis, falta de humanidade de um coletivo que se embruteceu ao adotar o discurso ditado por uma mídia perversa, que está a serviço do que é de pior na nossa sociedade de fortes traços escravocratas: o corporativismo de carreiras de elite, o poder econômico de rentistas especuladores, de entreguistas da Pátria, de traidores e alto-traidores, de gente tomada do ódio de classe, de fascistas embrutecidos e saudosistas da ditadura, enfim, de uma malta de canalhas que só pensa no próprio umbigo.

Mas você é maior. Paga o preço dos grandes transformadores. Não espere gratidão dessa turba, mas você sempre terá o carinho de dezenas de milhões de brasileiras e brasileiros que lhe devem a inclusão social, de inúmeros povos a quem demonstrou a solidariedade do Brasil.

Que não ousem, os amestrados miquinhos do fascismo, promover algazarra com seu sofrimento, pois saberemos, quem o respeitamos como Brasileiro, reagir à altura. Tenham, esses energúmenos, cuidado e se recolham. É o melhor que podem fazer, para que não tenhamos que ofender os animais, igualando-os com estes.

Lula, receba neste momento de profunda dor, a nossa compaixão. Choramos com você o sofrimento desse martírio. Dona Marisa chegou a esse estado porque, como muitos de nós, que amamos o Brasil, sentiu-se profundamente ferida, supurada, em carne viva, com o momento trágico deste País, entregue a uma corja de aves de rapina. E ainda foi alvo de persistente, covarde e mortífero ataque de quem o queria atingir através dela! Não lhes dê essa mórbida satisfação: ignore-os.

Mas claro que o sol vai voltar amanhã! Desejamo-lhe muita força neste momento e fiquemos juntos, unidos por um futuro melhor.

 

“Marisa sempre dizia: não esqueça nunca de onde você veio”

Milhares de mulheres e crianças caminham de braços dados pelas ruas de São Bernardo, munidas de flores, bandeirinhas do Brasil e faixas. Apesar do clima tenso de repressão imposto pela polícia que cerca o local, os filhos e mulheres dos metalúrgicos do ABC protestam contra a prisão de trabalhadores e dirigentes sindicais em passeata audaciosa pelo centro da cidade.

Ao retornar à Igreja Matriz, de onde havia partido, a líder do movimento precisou ser amparada quando perdeu os sentidos depois de chorar compulsivamente e pedir forças às companheiras, enquanto apertava nas mãos a bandeira brasileira e uma rosa.

Quem estava à frente dessa marcha histórica era Marisa Letícia, esposa do então presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, Luiz Inácio Lula da Silva, preso dias antes com outros dirigentes sindicais em plena ditadura militar por agentes do Departamento de Ordem Política e Social, o Dops.

O ano é 1980, época marcada por intensas greves da categoria. A passeata, realizada em 8 de maio daquele ano, foi organizada por Marisa após o pedido de habeas corpus para os prisioneiros ser negado pela justiça. “Os homens queriam dar apoio, mas dissemos não. Fizemos só com as mulheres, eu de mãos dadas com meus filhos à frente”, lembrou a então primeira-dama durante entrevista à Fundação Perseu Abramo, em 2002.

Antes inspetora de alunos em escola pública, a vida de Marisa Letícia passa a ser arrebatada pela política após a união com Lula, em 1974. Já que um ano após o casamento, Lula seria eleito presidente dos Metalúrgicos do ABC, em um período de luta por democracia e de levantes operários contra o arrocho econômico e sindical.

Foi neste mesmo Sindicato que ainda viúva, conheceu o também viúvo, Lula, em 1973. Ele trabalhava no Serviço de Assistência Social do Sindicato quando Marisa foi buscar um carimbo para recolher a sua pensão.

O lar do casal logo tornou-se uma arriscada trincheira da luta por democracia e justiça social, num tempo em que erguer cartazes dava cadeia, pancada e tortura.

A primeira bandeira do Partido dos Trabalhadores foi ela quem costurou. “Eu tinha um tecido vermelho, italiano, um recorte guardado há muito tempo. Costurei a estrela branca no fundo vermelho. Ficou lindo”, declarou em entrevista.

Na época, estampava camisetas com a estrela símbolo da sigla para arrecadar fundos para o Partido e chegou a cadastrar as pessoas na rua, buscando convencê-las da importância de montar o Partido dos Trabalhadores.

Diante da crescente exposição pública do marido, Marisa preferiu a discrição. Quando Lula assumiu a Presidência, ela se tornou a primeira-dama e manteve uma postura sóbria. Durante todo esse tempo se dedicou à família e foi sempre o alicerce de Lula.

“Foi amável e cordial com todos que dela se aproximaram. Não há um único relato de episódio de arrogância ou desfeita feita por ela a alguém, como primeira-dama do País”, escreveu a jornalista Hildegard Angel em 2011. Leia mais aqui e confira outras fotos de Dona Marisa.

 

Marisa Letícia: eterna companheira

Por Jornalistas Livres

Foi num palácio. O Palácio da Alvorada. E era domingo festivo: Dia das Mães, 11 de maio de 2003, ano do primeiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Nos jardins, acontecia um churrasco. Diante da corte de fotógrafos, jornalistas e curiosos, Lula ajoelha-se aos pés de sua mulher. A primeira-dama, então, pousa os pés sobre a perna do marido. E ele amarra o cadarço solto do tênis dela.

No dia seguinte, UAU, a foto sai estampada na capa dos principais jornais e revistas do país. Mais uma vez, o Brasil inteiro se derretia com a demonstração explícita de afeto do presidente por sua companheira, Marisa Letícia Lula da Silva. A vida de dona Marisa, no entanto, nunca foi de Cinderela. Nem Marisa sonhou ser princesa. Lula sempre a tratou como rainha, fato. Mas isso nada tem a ver com os jardins palacianos do flagra em Brasília. A majestade de dona Marisa Letícia já vinha de muito, muito antes do cargo de primeira-dama.

Casada há 43 anos, Marisa já foi descrita pelo marido como uma “grande mãe italiana”. Ela esteve ao lado de Lula nas greves, nas lutas, na criação do PT, nas viagens das caravanas da cidadania, nas campanhas eleitorais. Mas preferiu ficar longe dos holofotes. “Fora de casa Lula é o centro das atenções. No campo doméstico, Marisa é soberana. Ela é a âncora da família”, contou amiga dos tempos de sindicalismo Miriam Belchior, que foi ex-assessora especial da Presidência. Mulher de opiniões declaradas, sempre foi discreta, tímida e, segundo a amiga, optou por esse papel.

O temperamento forte sempre foi da porta para dentro, onde botava “os pingos nos is”. Em público foi reservada. Gentil, simpática e afetuosa com os amigos, tratava com indiferença gente que julgava interesseira. Também nunca foi de lamentar, mas de resolver os problemas. Em sua primeira entrevista como primeira-dama, à revista Criativa em 2003, respondeu sobre o segredo de seu casamento: “quando somos jovens imaginamos que o mundo tem que ser cor-de-rosa, só que ele não é. Isso muitas vezes é um choque. O amadurecimento proporciona isso, compreensão das coisas, mais paciência. Nós (Lula e ela) aproveitamos o nosso tempo juntos para ficar bem, felizes.”

Pés no chão de terra batida

Neta de italianos, dona Marisa nasceu num sitio em São Bernardo do Campo, SP, onde havia plantações de batata e milho e criações de galinhas e porcos. A casa de dois quartos onde viveu até o sete anos era de pau-a-pique e chão de terra batida. Não tinha luz elétrica. Nem água encanada, só poço. O colchão onde dormia era de palha. Marisa foi a penúltima filha dentre 12 irmãos. Sua mãe, Regina Rocco Casa, era famosa benzedeira: sabia tirar quebranto, curava menino com bucho virado. O pai hortelão, Antônio João Casa, adorava plantas. Marisa puxou isso dele.

A primeira-dama tinha “mão boa” para lidar com mudas. Quando levou uma jabuticabeira no vaso para dentro do apartamento em São Bernardo, Lula achou que a planta jamais ia vingar. “Eu fiquei, como muitos, todo santo dia resmungando e dizendo que era impossível”, disse o marido num discurso em que fez parábola da planta de Marisa. Lula disse que o Brasil poderia crescer em pleno aperto econômico como a jabuticabeira que, contrariando todas as previsões, sua mulher fez vicejar. “Como ela acreditou mais, irrigou mais, cuidou mais do que eu, o pezinho de jabuticaba dá frutos quatro, cinco vezes por ano, coisa que esse conselho [Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social] pode imitar se quiser”, disse Lula, quando criou órgão do governo em fevereiro de 2003.

Marisa sempre cultivou legumes e verduras. A ponto de não precisar comprá-los no mercado por anos. Quando virou primeira-dama incrementava a horta atrás do Alvorada. Orgulhava-se de dizer que os canteiros estavam com mais variedade. Também povoou o lago do Palácio com peixes e patos quando se mudou para Brasília. A ex-primeira-dama gostava de bichos. Em plena correria da campanha do primeiro mandato de Lula, levou para o apartamento um cabritinho que a mãe rejeitou e o alimentou a mamadeira. Instinto maternal exercido desde criança. Quando ainda era menina de nove anos, em vez de bonecas, Maria foi embalar três sobrinhas do pintor Cândido Portinari. De babá, virou operária aos 13 anos. Embalou, então, bombons Alpino na fábrica de chocolates Dulcora. Teve de parar de estudar na sétima série.

Lula, Fidel e Dona Marisa, em 1989, durante encontro em São Paulo. Foto: Paulo Pinto.

Encontro de fortes

Moça bonita, loura de cachos até a cintura, aos 19 anos, Marisa saiu da casa dos pais para se casar com seu primeiro namorado, Marcos, um motorista de caminhão. Ele carregava areia para construções durante o dia e de noite, saía com o táxi do pai, um Fusca, para ganhar um extra. Queria comprar a casa própria. Seis meses depois do casamento, Marcos foi morto por bandidos num assalto ao táxi. Viúva, a única herança de Marisa foi o filho de quatro meses na barriga. Ela morou no primeiro ano de viuvez com o sogro, depois foi para a casa de sua mãe e trabalhou como inspetora de alunos num colégio público. Dona Marília, a primeira sogra que sempre foi amiga do peito de Marisa, ajudou a nora criar o neto de sangue, Marcos Claudio, e os outros três que a primeira-dama teve com Lula.

Curiosidade dos destino: o sogro do primeiro casamento de Marisa, seu Cândido, foi quem primeiro falou de Marisa para Lula. Em 1973, Luiz Inácio tinha o apelido de “Baiano”. Novato no sindicato dos metalúrgicos, sofria o luto por sua primeira mulher, Maria de Lourdes, que perdeu, com o filho, na sala de parto havia dois anos. Vez ou outra, Lula fazia uma corrida no taxi Fusquinha de seu Cândido porque a bandeirada era mais barata do que a dos carros de quatro portas. Lula contou, em entrevista à escritora Denise Paraná no livro “O filho do Brasil”, que seu Cândido, sempre que falava da morte do filho, dizia que a nora Marisa era muito bonita. “Foi muita coincidência. O tempo passou. Quando um belo dia estou no sindicato chega essa tal de dona Marisa”, disse Lula.

No encontro entre os dois viúvos não houve suspiros de contos de fada. Marisa foi ao sindicato buscar um carimbo para retirar sua pensão. Lula deixou cair sua carteirinha de identidade de sindicalista para mostrar que também era viúvo. Ele inventou uma firula qualquer na documentação dela para ter desculpa para pedir o telefone de Marisa. Ela nem atendia as ligações. Mas o ex-operário, que venceu a primeira eleição para presidente na quarta tentativa, é insistente. Um dia estacionou o carrinho TL na porta da casa da viúva loura e botou o então namorado de Marisa para correr, dizendo que precisava falar um assunto sério com ela. Lula acabou conquistando a simpatia da mãe de Marisa, Dona Regina, a benzedeira, e depois o coração da ex-primeira-dama. Em sete meses se casaram.

Marisa e Lula, durante a posse da presidência em 2003.

Companheira

Um ano depois do casamento, Lula já era presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo. Naquele tempo, Marisa não entendia nada sobre sindicalismo, greves, ditadura, passeatas, piquetes… Carregava no colo o recém-nascido Fábio Luiz e tinha na barra da saia o primogênito Marcos Cláudio, que Lula adotou como seu. Um dia, cansada do sumiços de Lula – que saía de casa de madrugada para fazer piquete em porta de fábrica–, Marisa decidiu entrar no curso de política do religioso militante de esquerda Frei Betto. Aos poucos, ela passou a entender a luta dos sindicalistas e acabou por influenciar outras mulheres de metalúrgicos.

Certamente não foi fácil. Lula nunca pôde acompanhar a mulher na maternidade no nascimento dos filhos, por exemplo. Marisa foi mãe e pai dos meninos. Reunião de escola, festinha, finanças da casa, crediário… Tudo era ela quem cuidava. E sem empregada. Joana, considerada uma “irmã de criação” de Marisa, e a ex-sogra, dona Marília, a acudiam em situações especiais.

Em 1980, os militares tomaram o sindicato e a sala da casa de dona Marisa virou a nova sede dos metalúrgicos. E ela também assumiu posto de secretária. Nesse mesmo ano, Lula foi preso. Acusado de incitar uma greve ilegal, foi enquadrado na Lei de Segurança Nacional, principal instrumento de repressão do regime militar. “Marisa organizou toda a passeata com as mulheres de metalúrgicos encarcerados. E levou as crianças no meio daquela multidão “, recorda amiga Miriam Belchior, que também participou da manifestação. “Tinha polícia para tudo quanto é lado”, Marisa disse em entrevistas. Ela levava os filhos Marcos, Fábio e Sandro para visitar o pai na cadeia. O caçula, Luiz Cláudio, ainda não tinha nascido.

Sempre junto de Lula, dona Marisa fundou o partido dos trabalhadores também em sua sala. “Marisa entendia a missão do Lula. Ela só pegava no pé do marido aos domingos”, disse Luiz Marinho, amigo do casal, ex-presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC e ministro da Previdência no governo Lula. Para ela, domingo era sagrado, era o dia da família. E pouco importava se o almoço familiar acontecesse no apartamento de São Bernardo ou nos salões projetados pelo arquiteto Oscar Niemeyer. A cena dominical do dia das Mães em que Lula se ajoelhou aos seus pés não teve nada de excepcional como alardeou a imprensa na época. Os pequeninos gestos de carinho de Lula à sua mulher eram rotineiros. Em uma entrevista, Marisa disse: “Em um casamento o amor é muito importante. Mas sonhar juntos é fundamental”. Nos sonhos de dona Marisa, estávamos todos incluídos.

 

Entrevista: Uma brasileira chamada Marisa

09/05/2006

A primeira bandeira do PT, feita por Marisa, foi guardada pelo senhor Antônio Eustáquio da Silva, que militou com ela no Núcleo Jardim Lavínia.

São vinte e oito anos de um casamento cuja história confunde-se a tal ponto com a do país que muitas vezes fica difícil enxergar fronteiras nesse condomínio de emoções familiares e nacionais. Não é força de expressão. Para Marisa Letícia Lula da Silva, 52 anos, esposa de Luiz Inácio Lula da Silva, 57, o candidato a presidente pela Coligação PT-PL-PCdoB-PC -PMN, a casa nunca foi apenas o refúgio familiar, mas também um ponto de intersecção de alguns dos fatos políticos mais importantes que mudariam a face do Brasil nas últimas três décadas. As greves do ABC, a repressão do regime militar, a luta pelas Diretas, a fundação do PT e as campanhas presidenciais do marido ganharam as ruas e viraram História, mas antes atravessaram a soleira da porta e transitaram pela sala e a cozinha de Marisa. Em 1975, com um ano de casamento, Lula chegou à presidência do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo (SP). Três anos depois, começaria o ciclo histórico de greves no ABC paulista.

A política incorporou-se assim a sua vida como algo natural, quase uma extensão da rotina doméstica frequentemente acomodada para abrir novos espaços à mesa do almoço, ou receber visitantes que desde os anos 70 passaram a ter na casa do líder metalúrgico um ponto de referência nacional. Lá estiveram senadores, deputados, vereadores, personalidades de todos os matizes. Alguns se incorporaram à família definitivamente. Frei Betto, por exemplo, cansou de dormir no chão da sala durante as greves metalúrgicas dos anos 78/80, designado especialmente pelo então Bispo de Santo André, Dom Cláudio Hummes, hoje arcebispo de São Paulo, para ajudar na segurança de Lula.

Tornar-se a primeira-dama, a partir de 1 de janeiro, portanto, é uma hipótese que não chega a sobressaltar essa neta de italianos, mãe de quatro filhos, avó de dois netos, que começou a ganhar a vida muito cedo. Aos nove anos Marisa já trabalhava como pajem; aos 13, ainda sem carteira regular de trabalho, empregou-se na fábrica de chocolates Dulcora, em São Bernardo, onde ficou até os 21 anos. Casada, tornou-se funcionária da rede municipal de ensino, que deixou para cuidar dos filhos.

Nem sempre porém esse trânsito do país para dentro da casa foi tranquilo. Na greve de abril de 1980, Marisa e Lula acordaram sobressaltados pelos gritos dos agentes do Dops -Departamento de Ordem Política e Social. Eram cinco e meia da manhã, ainda estava escuro. A residência cercada por homens de metralhadoras em punho foi despertada por berros no portão: -Cadê o Lula? Viemos buscar o Lula, viemos buscar o Lula. “Foi terrível, mas mantivemos a tranquilidade. Lembro-me que ele ainda disse –calma, vou tomar um café antes de sair, enquanto eu arrumava a mala”. Lula ficou preso 31 dias, saiu duas vezes nesse intervalo. Uma para visitar a mãe agonizante; outra, para o funeral de dona Lindu.

A intimidade com um Brasil que muitos conheceram apenas pelos jornais nunca resvalou para o deslumbramento. Diante da crescente exposição pública do marido, Marisa preferiu a discrição aos holofotes. Mas por trás deles ajudou a organizar passeatas de mães e filhos de metalúrgicos, em 1980, quando os líderes estavam presos e o sindicato sob intervenção. Foi ela também que de forma pioneira inaugurou o hábito da participação feminina na vida sindical do ABC. E foi Marisa, ainda, quem cortou e costurou a primeira bandeira do PT –feita em sua casa, claro–, quando da fundação do partido, em fevereiro de 1980.

Hoje, ela tenta preservar um pouco mais a fronteira familiar, pelo menos nos raros fins de semana em que o marido está no apartamento onde residem, em São Bernardo. “Proíbo conversa política e filtro as ligações telefônicas. Notícia ruim, à noite, fica para o dia seguinte”, sentencia com a voz firme mas serena. Mais que simplicidade, seu jeito reflete a maturidade de quem aprendeu na prática que tudo tem um tempo e nada vinga sem esforço. “As coisas foram acontecendo aos poucos na nossa vida, ao longo de anos de luta. A projeção do Lula foi a evolução natural de uma pessoa de muita persistência. Quando quer algo, ele consegue”, diz com conhecimento de causa. Em 1973, viúva, mãe de um filho do primeiro casamento, ela conheceu de perto a tenacidade do galante diretor do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo. Foi um namoro rápido. Um cerco telefônico e uma manobra ousada de ocupação do terreno do rival definiram as núpcias, sete meses depois do primeiro encontro. “Lula chegou em casa um dia e avisou meu namorado que precisava tratar um assunto muito sério comigo. Mandou o sujeito embora –pode?”, balança a cabeça ainda perplexa com a lembrança. Perseverança equivalente a do amor, ela identifica na sua trajetória política. “Em 1980, quando fui a Brasília pela primeira vez, disse a Lula: eles não vão abandonar o poder nunca. Hoje tenho certeza de que ele vai chegar lá. E espero que faça algo pela juventude –tenho certeza que o fará. A violência me assusta. Quando leio os jornais já nem presto atenção nos nomes, fixo apenas a idade das vítimas. É terrível o que está acontecendo com os jovens no Brasil”, desabafa.

Na capela de Santo Antônio, Marisa e Lula se casaram e batizaram os filhos.

Leia aqui os principais trechos da entrevista exclusiva de Marisa Letícia Lula da Silva ao site Lula Presidente.

 

Amigos e personalidades prestam última homenagem a Dona Marisa

Foto: Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

A família Lula da Silva agradeceu a todos os votos de pesar, contatos e manifestações públicas de carinho, memória e sentimentos por Marisa Letícia Lula da Silva. Veja aqui a lista com alguns dos nomes dos que prestaram suas últimas homenagens à ex-primeira dama.

 

Companheira Marisa

Por Mino Carta, homenagem da Carta Capital

Foto: Arquivo pessoal de Mino Carta/ 1990

Neste momento de dor extrema, CartaCapital está ao lado de Lula, e desta vez não é por razões políticas. Tanto mais fortes as minhas, amigo leal e sincero do casal há 39 anos. Nos últimos tempos, Marisa me vem à mente amiúde, e a vejo moça que acena da porta de um bar enquanto o marido toma um derradeiro gole de pinga com cambuci. E eu me vou a bordo de um carro da reportagem de IstoÉ. É imagem nítida, bem gravada na memória, e alegre com um leve travo de melancolia.

Conheci Marisa pouco mais de um mês depois de minha primeira entrevista com Lula. Logo o entrevistado convidou-me a visitá-lo em sua casa no alto de um morro, atrás da fábrica da Volkswagen de São Bernardo, modesta casa térrea, no quintal brincavam os filhos e um Dom Quixote esculpido em madeira campeava na estante da sala. Lula mandava no sindicato, mas a mulher era a chefe da família. Leia mais aqui.

 

Emoção, amor e apoio marcam o adeus do povo à Dona Marisa

Foto: Paulo Pinto/Agência PT

Milhares de pessoas fizeram questão de comparecer ao velório em São Bernardo do Campo para demonstrar apoio a Lula e homenagear a ex-primeira-dama.

“Talvez demore um pouco mais para andar porque o presidente decidiu receber todos os abraços, um por um”, informava uma mulher da organização às pessoas que, em pé, aguardavam sua vez para prestar seu apoio ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e se despedir de Dona Marisa.

A fila começou antes das 9h da manhã deste sábado (4), e perto do meio-dia já ocupava duas quadras, dando literalmente a volta no quarteirão que circunda o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, em São Bernardo do Campo (SP). Milhares de militantes, de vários Estados dos Brasil, foram ao velório de Marisa Letícia prestar sua última despedida e deixar uma mensagem de apoio ao ex-presidente. Leia mais aqui.

 

Líderes mundiais lamentam morte de Dona Marisa

Diversas lideranças políticas mundiais lamentaram a morte da ex-primeira-dama Dona Marisa Letícia Lula da Silva e prestaram apoio ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva por meio de redes sociais ou notas oficiais.

Os presidentes de Bolívia, Equador e Venezuela mandaram mensagens de apoio à família. “Nosso carinho e abraço solidário a esse imenso latino-americano Lula da Silva pelo falecimento de sua querida esposa”, postou o equatoriano Rafael Correa.

“Acabo de falar com Lula e transmiti nossas condolências e solidariedade ante à perda de sua esposa Marisa. Até a vitória sempre”, disse Nicolás Maduro, da Venezuela.

“Em nome do povo boliviano, [venho] expressar condolências a Lula pelo falecimento de sua esposa. Hoje e sempre contigo, força!”, registrou o boliviano Evo Morales.

A ex-presidenta da Argentina Cristina Kirchner também se manifestou: “Um abraço enorme de minha parte, de minha família e de todos nossos companheiros e companheiras”.

No Reino Unido, o ex-primeiro-ministro Gordon Brown também mandou suas palavras, ressaltando a perseguição à família do ex-presidente: “Seus muitos amigos pelo mundo te querem muito bem e estão irritados com a forma injusta como você e sua família têm sido tratados”. Leia mais aqui.

 

Dilma exalta força e importante papel político de Dona Marisa

Foto: Ricardo Stuckert

A presidenta eleita Dilma Rousseff publicou nota, lamentando a morte da ex-primeira dama Marisa Letícia Lula da Silva:

“Hoje é um dia triste para todos nós, que conhecemos e admiramos Dona Marisa Letícia. Sabemos do amor e da força que sempre emprestou ao presidente Lula. Uma mulher de fibra, batalhadora que conquistou espaço e teve importante papel político.

Dona Marisa foi o esteio de sua família, a base para que Lula pudesse se dedicar de corpo e alma à luta pela construção de um outro Brasil, mais justo, mais solidário e menos desigual, desde as primeiras reuniões sindicais na Vila Euclides, passando pela fundação do PT e da CUT, até a chegada à Presidência da República.

Nos últimos meses, ela e o presidente Lula foram vítimas de perseguições e experimentaram na pele grandes injustiças.

Imagino que a dor de Lula agora é insuportável. Mas tenho certeza que ele saberá superar este momento difícil, recebendo de todos nós, seus companheiros e admiradores, e do povo brasileiro, muitas preces e orações, repletas de carinho e solidariedade.

Estamos juntos, presidente Lula, agora e sempre.

Dilma Rousseff”

 

“Inteligente e nunca de holofotes”, diz parceira de Marisa em greve de 1980

 “Uma mulher sensível, mas ao mesmo tempo forte e determinada. Tudo o que ela propunha, ela fazia”. É assim que Zeneide Ribeiro, esposa do ex-dirigente sindical e amigo de Lula, Devanir Ribeiro, descreveu a amiga de longa data Dona Marisa Letícia. Juntas, Zeneide e Marisa, lutaram durante a greve dos metalúrgicos na década de 1980, protestaram contra a prisão de seus maridos, participaram da construção do PT e, mais do que isso, construíram uma amizade. “A participação da Marisa e de todas as mulheres foram fundamentais e muito importante durante a greve. Enquanto os nosso maridos estavam presos, a gente participava das assembleias e incentivávamos os outros trabalhadores a não desistirem”. Leia mais aqui.

 

Marisa viverá em nossos corações como primeira estrela do PT

Foto: Ricardo Stuckert

O Partido dos Trabalhadores lamentou, em nota, a morte da ex-primeira dama Marisa Letícia Lula da Silva:

“Para sempre, Marisa Letícia viverá em nossos corações como a primeira estrela do PT. Foi ela quem costurou, com os retalhos que tinha em casa, nossa primeira bandeira.

Foi ela também uma das maiores vítimas dos cruéis ataques da elite brasileira, que não suportou as mudanças que nossa bandeira trouxe ao país, uma verdadeira revolução pela inclusão social. Rasgaram princípios caros ao Estado Democrático de Direito, como o da necessidade de provas em uma acusação. Quebraram sigilos pessoais de sua vida e de sua família, sem sequer uma prova.

Marisa Letícia manteve a cabeça erguida dos inocentes e dos que não fogem à luta. Foi, também, quem sempre mais apoiou e esteve ombro a ombro com nosso querido presidente Lula em sua jornada de luta por justiça social.

Companheira, seu nome ficará no coração de nossa bandeira. E é sob essa bandeira que continuaremos a lutar pelo projeto de construção de um novo Brasil. Nesse momento de muita dor, transmito, em nome dos milhares de militantes e simpatizantes do PT, nossos sentimentos de pesar ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, sua família e a todos aqueles que conviveram com a nossa querida Dona Marisa.

Marisa Letícia: Presente!

Rui Falcão, presidente nacional do Partido dos Trabalhadores”

 

PT-SP manifesta solidariedade ao ex-presidente Lula e à sua família pelo falecimento de dona Marisa

“O Diretório Estadual do PT-SP, com devastador pesar, se solidariza com a família do ex-presidente Lula pela morte da sua companheira de todas as horas, Dona Marisa Leticia.

Marisa foi uma mulher única. Sua trajetória ao lado de Lula foi marcada com as tintas da perseguição: da ditadura militar que desde a década de 1970 perseguiu sua família de maneira cruel, até a caçada implacável e injusta da qual ela, Lula e seus filhos são vítimas atualmente.

Dona Marisa foi para Lula o sustentáculo e o esteio. Desde as lutas sindicais e pela democracia do início até a chegada ao centro do poder, Marisa sempre representou ao presidente Lula o equilíbrio e a segurança do amor familiar, o que lhe permitiu fazer o melhor de todos os governos que tivemos, lhe deu forças para o enfrentamento do câncer que o alcançou e para a luta pela reconquista da nossa plenitude democrática duramente golpeada.

A injusta perseguição a toda sua família se tornara insuportável para Marisa. Pesou sobre seus ombros e sua saúde o linchamento que organismos do Estado e seus braços midiáticos impuseram sobre os que a cercavam sem nenhuma prova e com o único intuito de destruir a figura icônica de seu marido, guindado à condição de depositário da esperança de milhões de mulheres e homens.

Dona Marisa Leticia permanecerá no coração dos petistas e do povo brasileiro como um exemplo de mulher destemida e leal que acreditou no sonho de um país melhor e viveu por ele!

Emidio de Souza – Presidente do diretório Estadual do PT-SP”

 

Foi-se uma estrela, diz Secretaria de Mulheres do PT sobre Marisa

Foto: Ricardo Stuckert

A Secretaria de Mulheres do Partido dos Trabalhadores divulgou nota, em que lamenta a morte da ex-primeira dama Marisa Letícia Lula da Silva:

“Foi-se uma Estrela!

Não importa se há quem não compreenda a dimensão da dor. Importa a força, a garra, o riso, o exemplo, as lágrimas que resultaram das derrotas e que regaram o caminho para as conquistas; importa o sonho alentado nas lutas compartilhadas, nos enfrentamentos, nos gestos em público, ou na energia desprendida nos bastidores.

Foi-se uma estrela – aquela que usou as próprias mãos para sintetizar tudo o que o símbolo que ela tecia, a primeira bandeira do PT, significava para os trabalhadores e trabalhadoras que sonhavam e, resistem em sonhar, com uma Nação onde as diferenças é o que soma e não o que desagrega, aparta, exclui. Marisa Letícia, mãe, esposa, militante é uma daquelas muitas mulheres que se abstiveram de seus sonhos para viver a utopia do sonho coletivo.

Ao nosso companheiro e sempre presidente Lula e seus familiares nossa solidariedade nesse momento de profunda tristeza. E a certeza de que o tempo contará e manterá viva a solidez e grandeza de Marisa Letícia.

Laisy Moriere – Secretária Nacional de Mulheres do PT”

 

A ENFPT lamenta o falecimento de Dona Marisa Letícia e presta sua solidariedade ao ex-presidente Lula e familiares

É com muito pesar que a Escola Nacional de Formação do PT recebe a notícia do falecimento de Dona Marisa Letícia Lula da Silva. Nosso profundo sentimento de solidariedade ao ex-presidente Lula e à toda família.

Em homenagem à Dona Marisa, reproduzimos o texto da jornalista Hildegard Angel, que traduz tão bem a força e a essência desta mulher guerreira, que por 43 anos esteve ao lado de seu companheiro, lutando por um Brasil mais justo!

Descanse em paz, Dona Marisa. Seu exemplo de luta e companheirismo estará sempre presente entre nós!

Marisa Letícia Lula da Silva: as palavras que precisavam ser ditas

Por Hildegard Angel – 04/01/2011

Foram oito anos de bombardeio intenso, tiroteio de deboches, ofensas de todo jeito, ridicularia, referências mordazes, críticas cruéis, calúnias até. E sem o conforto das contrapartidas. Jamais foi chamada de “a Cara” por ninguém, nem teve a imprensa internacional a lhe tecer elogios, muito menos admiradores políticos e partidários fizeram sua defesa. À “companheira” número 1 da República, muito osso, afagos poucos. Ah, dirão os de sempre, e as mordomias? As facilidades? O vidão? E eu rebaterei: E o fim da privacidade? A imprensa sempre de olho, botando lente de aumento pra encontrar defeito? E as hostilidades públicas? E as desfeitas? E a maneira desrespeitosa com que foi constantemente tratada, sem a menor cerimônia, por grande parte da mídia? Arremedando-a, desfeiteando-a, diminuindo-a? E as frequentes provas de desconfiança, daqui e dali? E – pior de tudo – os boatos infundados e maldosos, com o fim exclusivo e único de desagregar o casal, a família? Ah, meus queridos, Marisa Letícia Lula da Silva precisou ter coragem e estômago para suportar esses oito anos de maledicências e ataques. E ela teve.

Começaram criticando-a por estar sempre ao lado do marido nas solenidades. Como se acompanhar o parceiro não fosse o papel tradicional da mulher mãe de família em nossa sociedade. Depois, implicaram com o silêncio dela, a “mudez”, a maneira quieta de ser. Na verdade, uma prova mais do que evidente de sua sabedoria. Falar o quê, quando, todos sabem, primeira-dama não é cargo, não é emprego, não é profissão? Ah, mas tudo que “eles” queriam era ver dona Marisa Letícia se atrapalhar com as palavras para, mais uma vez, com aquela crueldade venenosa que lhes é peculiar, compará-la à antecessora, Ruth Cardoso, com seu colar poderoso de doutorados e mestrados. Agora, me digam, quantas mulheres neste grande e pujante país podem se vangloriar de ter um doutorado? Assim como, por outro lado, não são tantas as mulheres no Brasil que conseguem manter em harmonia uma família discreta e reservada, como tem Marisa Letícia. E não são também em grande número aquelas que contam, durante e depois de tantos anos de casamento, com o respeito implícito e explícito do marido, as boas ausências sempre feitas por Luís Inácio Lula da Silva a ela, o carinho frequentemente manifestado por ele. E isso não é um mérito? Não é um exemplo bom?

Passemos agora às desfeitas ao que, no entanto, eu considero o mérito mais relevante de nossa ex-primeira-dama: a brasilidade. Foi um apedrejamento sem trégua, quando Marisa Letícia, ao lado do marido presidente, decidiu abrir a Granja do Torto para as festas juninas. A mais singela de nossas festas populares, aquela com Brasil nas veias, celebrando os santos de nossas preferências, nossa culinária, os jogos e as brincadeiras. Prestigiando o povo brasileiro no que tem de melhor: a simplicidade sábia dos Jecas Tatus, a convivência fraterna, o riso solto, a ingenuidade bonita da vida rural. Fizeram chacota por Lula colar bandeirinhas com dona Marisa, como se a cumplicidade do casal lhes causasse desconforto. Imprensa colonizada e tola, metida a chique. Fazem lembrar “emergentes” metidos a sebo que jamais poderiam entender a beleza de um pau de sebo “arrodeado” de fitinhas coloridas. Jornalistas mais criteriosos saberiam que a devoção de Marisa pelo Santo Antônio, levado pelo presidente em estandarte nas procissões, não é aprendida, nem inventada. É legitimidade pura. Filha de um Antônio (Antônio João Casa), de família de agricultores italianos imigrantes, lombardos lá de Bérgamo, Marisa até os cinco de idade viveu num sítio com os dez irmãos, onde o avô paterno, Giovanni Casa, devotíssimo, construiu uma capela de Santo Antônio. Até hoje ela existe, está lá pra quem quiser conferir, no bairro que leva o nome da família de Marisa, Bairro dos Casa, onde antes foi o sítio de suas raízes, na periferia de São Bernardo do Campo. Os Casa, de Marisa Letícia, meus amores, foram tão imigrantes quanto os Matarazzo e outros tantos, que ajudaram a construir o Brasil.

Outro traço brasileiro dela, que acho lindo, é o prestígio às cores nacionais, sempre reverenciadas em suas roupas no Dia da Pátria. Obras de costureiros nossos, nomes brasileiros, sem os abstracionismos fashion de quem gosta de copiar a moda estrangeira. Eram os coletes de crochê, os bordados artesanais, as rendas nossas de cada dia. Isso sim é ser chique, o resto é conversa fiada. No poder, ao lado do marido, ela claramente se empenhou em fazer bonito nas viagens, nas visitas oficiais, nas cerimônias protocolares. Qualquer olhar atento percebe que, a partir do momento em que se vestir bem passou a ser uma preocupação, Marisa Letícia evoluiu a cada dia, refinou-se, depurou o gosto, dando um olé geral em sua última aparição como primeira-dama do Brasil, na cerimônia de sábado passado, no Palácio do Planalto, quando, desculpem-me as demais, era seguramente a presença feminina mais elegante. Evoluiu no corte do cabelo, no penteado, na maquiagem e, até, nos tão criticados reparos estéticos, que a fizeram mais jovem e bonita. Atire a primeira pedra a mulher que, em posição de grande visibilidade, não fez uma plástica, não deu uma puxadinha leve, não aplicou uma injeçãozinha básica de botox, mesmo que light, ou não recorreu aos cremes noturnos. Ora essa, façam-me o favor!

Cobraram de Marisa Letícia um “trabalho social nacional”, um projeto amplo nos moldes do Comunidade Solidária de Ruth Cardoso. Pura malícia de quem queria vê-la cair na armadilha e se enrascar numa das mais difíceis, delicadas e técnicas esferas de atuação: a área social. Inteligente, Marisa Letícia dedicou-se ao que ela sempre melhor soube fazer: ser esteio do marido, ser seu regaço, seu sossego. Escutá-lo e, se necessário, opinar. Transmitir-lhe confiança e firmeza. E isso, segundo declarações dadas por ele, ela sempre fez. Foi quem saiu às ruas em passeata, mobilizando centenas de mulheres, quando os maridos delas, sindicalistas, estavam na prisão. Foi quem costurou a primeira bandeira do PT. E, corajosa, arriscou a pele, franqueando sua casa às reuniões dos metalúrgicos, quando a ditadura proibiu os sindicatos. Foi companheira, foi amiga e leal ao marido o tempo todo. Foi amável e cordial com todos que dela se aproximaram. Não há um único relato de episódio de arrogância ou desfeita feita por ela a alguém, como primeira-dama do país. A dona de casa que cuida do jardim, planta horta, se preocupa com a dieta do maridão e protege a família formou e forma, com Lula, um verdadeiro casal. Daqueles que, infelizmente, cada vez mais escasseiam.

Este é o meu reconhecimento ao papel muito bem desempenhado por Marisa Letícia Lula da Silva nesses oito anos. Tivesse dito tudo isso antes, eu seria chamada de bajuladora. Esperei-a deixar o poder para lhe fazer a Justiça que merece.

 

Nota do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC

Foto:  Hélio Campos Mello

“Os Metalúrgicos do ABC lamentam profundamente a morte da companheira Marisa Letícia da Silva. A tristeza é grande, por uma perda que não tem reparação. Marisa era parte da família metalúrgica. Uma pessoa da casa, sempre próxima desse Sindicato, carinhosa com nossa diretoria, a quem chamava de “meninos”.

Nossa categoria a admirava muito. Mesmo nesse momento mais difícil da vida, com toda a pressão que vinha recebendo por conta de acusações injustas, Marisa nunca perdeu a dignidade, continuou sendo a companheira que sempre foi, com o desejo, a esperança e a disposição de fazer o melhor para o Brasil.

Ao presidente Lula, sabemos que a ausência de Marisa nunca será suprida, mas temos certeza de que a energia e o carinho dos milhões de brasileiros que o admiram e respeitam o ajudarão a seguir em frente.

A toda família, a solidariedade dos Metalúrgicos do ABC.

Marisa Letícia, presente!”

Diretoria do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC – 2 de fevereiro de 2017

 

Galeria: a trajetória de dona Marisa em fotos

Dona Marisa recebe homenagem da LBV (10 de abril de 2012). Foto: Ricardo Stuckert.

Das greves no ABC ao Palácio do Planalto, a ex-primeira-dama sempre teve papel ativo. Veja aqui imagens que contam um pouco de sua história.

 

Como mentiras sobre a morte de Marisa buscam evitar empatia com Lula

Por Leonardo Sakamoto

”O objetivo, neste momento, é não deixar gerar compaixão com Lula.”

 

A avaliação veio de um profissional que trabalha com construção e desconstrução de reputação via redes sociais. Em condição de anonimato, ele me explicou que é esse o objetivo de boatos que estão circulando na rede por conta da morte de Marisa Letícia, esposa do ex-presidente.

Um dos boatos afirma que o velório seria realizado de caixão fechado porque tudo isso era uma encenação para forjar sua morte e possibilitar a fuga para o exterior a fim de escapar de ser julgada e presa como consequência da Operação Lava Jato. Outras mensagens exigiam que as Forças Armadas obrigassem a realização de teste de DNA no corpo.

Não importa a foto abaixo. Não importa que políticos ligados a Lula ou adversários políticos fizeram visitas no hospital antes de ser declarado o óbito. Não importa que o Sírio-Libanês seja uma instituição com uma reputação a zelar (chegando a demitir uma de suas médicas por vazar informações confidenciais sobre a entrada de Marisa no hospital) e não toparia essa encenação. Não importa a multidão que compareceu ao velório realizado em caixão aberto em São Bernardo do Campo. Não importa os jornalistas que estavam lá para cobrir e noticiar e a profusão de fotos e de vídeos circulando.

Se a loucura faz sentido para um grupo de pessoas que odeia os dois, emoções é que passam a construir a realidade e fatos tornam-se irrelevantes. É a velha burrice fundamental consagrada sob o nome pomposo da pós-verdade.

Outra mensagem, violenta, que está circulando diz que tudo é uma ”falácia para comover a população” porque ela não poderia doar órgãos uma vez que teria atingido a idade limite de 70 anos. Contudo, não existe limite de idade para doação (com exceção da córnea, outros órgãos contam com idades-limite de referência, mas o que determina se um órgão é viável para transplante não é a idade, mas o estado de saúde do doador) e ela tinha 66. Obtive a confirmação de que rins, córneas e fígado haviam sido retirados para doação.

Claro que a morte de Marisa Letícia gera comoção junto a uma parcela da população que respeita Lula. E a situação tende a criar empatia devido o sofrimento de Lula, que é real, e pode criar, inclusive, desconforto a protagonistas da Lava Jato – uma vez que o próprio ex-presidente afirmou que sua esposa morreu triste por ter sido acusada de algo que não cometeu.

Ao longo dos últimos anos, entrevistei profissionais contratados por políticos para construir ou desconstruir candidaturas através de ação coordenada em redes sociais. E, ao contrário do que acredita o senso comum, não são robôs usados para xingar tresloucadamente que causam os maiores impactos, mas ”fazendas” de perfis falsos que parecem reais e são administradas por anos, agindo de acordo com pesquisas comportamentais.

Daí, a avaliação do profissional com quem falei. Essas mensagens, nascidas de malucos que atuam como atiradores solitários ou produzidas por grupos especializados, estariam sendo bombadas artificialmente para impedir a formação dessa empatia.

E, com isso, evitar que o longo trabalho de desumanização feito contra Lula e o PT – que, independentemente de seus defeitos ou crimes, é maior do que o tamanho do ódio gerado contra eles – seja perdido.

 

Isso sem contar os sites que produzem boatos e fofocas absurdos não por motivos políticos, mas sim para, através de cliques em anúncios, ganhar dinheiro. Nas eleições presidenciais norte-americanas do ano passado, uma cidade da Macedônia ficou famosa por produzir sites com notícias mentirosas pró-Trump a fim de ganhar com visitas de internautas dos Estados Unidos.

Lula é um animal político, tal como Fernando Henrique. Ambos fazem política até dormindo, então é natural que na morte de ambas as esposas, eles alternassem choro e política, no ombro de aliados ou adversários. O que não é natural é imaginar que o mundo é um grande duelo do bem contra o mal.

O ideal seria que a população não confiasse nas mensagens de WhatsApp que não pode checar a veracidade para a formação de sua opinião, como tenho dito, há anos, neste blog. Mas como alfabetização midiática e informacional é algo raro, que não será realizado em massa no curto prazo, os veículos de comunicação tradicionais de massa têm um papel importante a cumprir, que é o de explicitar esse tipo de boato e, na medida do possível, a quem ele interessa. Sites que desmascaram informações falsas são importantes, mas atuam em uma escala muito pequena para esse tipo de acontecimento.

Isso deveria ocorrer, independentemente do resultado do boato ser oportuno a quem controla o veículo ou não. Sei que isso pode parecer utopia. Mas, agora, é com a família Silva. Amanhã, poderá ser com qualquer outra família.

E, acreditem: a imprensa tradicional (que já está em fase de transformação por conta das mudanças na forma de financiamento do jornalismo na era digital) pode se tornar irrelevante diante da força das fábricas de ”verdades alternativas” que temos por aí. Que não têm compromisso com nada, nem ninguém.

 

 

 

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