Participação popular cidadã e controle social são conquistas obtidas a partir de demandas dos movimentos sociais e outros setores da sociedade organizados em torno da luta por direitos e melhores condições de vida. A Constituição Federal de 1988, marco destas conquistas democráticas, estabelece os princípios de participação da sociedade na elaboração, gestão e controle social das políticas públicas.
É importante lembrar que, antes de 1988, o Estado brasileiro exercia medidas de controle sobre a sociedade, mas não existiam instrumentos que permitissem à sociedade controlar as ações do Estado. Com o passar dos anos e o acirramento da luta política, o uso indiscriminado do termo “participação” por diferentes partidos e governos exige que ele seja qualificado à luz dos contextos e demandas políticas e sociais. A incorporação da participação no discurso de quase todos os projetos e partidos políticos faz com que o termo tenha os mais variados significados: desde a presença numa concentração de cunho político, o preenchimento de formulários de avaliação, uma reunião, processos de terceirização de serviços públicos, até o ato de interferir objetivamente nos processos de decisão sobre ações de governos.
Nas décadas após a promulgação da Constituição de 1988, o exercício da participação e controle social foi introduzido na agenda da gestão pública, nas três esferas de governo e em diversas áreas de políticas públicas. Mesmo aquelas que não constavam inicialmente no texto constitucional, como igualdade racial, mulheres, pessoas idosas, pessoas com deficiência e LGBTs, conquistaram canais institucionais de participação, muitas vezes, por pressão da militância em defesa de direitos.
Essas iniciativas enfrentaram resistência de setores conservadores, acostumados a tomar decisões sem ouvir e dar voz a quem utiliza os serviços públicos e depende destes para ter acesso a direitos. É possível elencar diversos obstáculos, como a falta de familiaridade com o funcionamento da administração pública, a linguagem técnica e cheia de siglas, a ausência de informações e, não raras vezes, o descaso de governantes e equipes de governo.
Mas é importante reconhecer que a existência desses canais de participação mudou o funcionamento da gestão pública no Brasil. Nas três esferas de governo, especialmente em torno dos conselhos1 e conferências, a participação popular e cidadã foi se consolidando, conquistando a capacidade de influenciar as decisões sobre o planejamento e a implementação das políticas públicas.
Para nós, o que significa “participação cidadã” e quais compromissos implica?
O conceito mais comum do termo, utilizado até meados da década de 1990, inclusive no PT, foi, majoritariamente, participação popular, designando o envolvimento de atores ligados a segmentos e movimentos sociais tradicionalmente marginalizados, que reivindicavam sua inclusão nos processos políticos e sociais. Isto porque os canais de participação existentes antes da Constituição Federal de 1988, além de serem apenas consultivos, eram compostos por pessoas consideradas de “notório saber”, indicadas pelos governantes, os “notáveis”2.
Historicamente, os espaços de poder e tomada de decisões foram hegemonizados por representantes das elites, que sempre negaram a existência de conflito de interesses na sociedade. Para estes setores, a “participação” significa uma retórica acionada para ocultar as contradições sociais e privilegiar seus interesses. O termo “participação cidadã” inclui e alarga a noção de participação popular. Ele pretende evidenciar que todos os atores sociais devem ser considerados nas ações públicas, sejam eles tradicionalmente marginalizados ou não, explicitando os conflitos a serem enfrentados. Deve-se ressaltar que os setores marginalizados e excluídos merecem atenção especial para estimular e garantir sua efetiva participação nos processos sociais e políticos. E cabe lembrar que as mulheres e a população negra são os setores mais atingidos pelas discriminações e preconceitos.
Portanto, o Programa e o Plano de Governo da gestão democrática e popular, bem como a Proposta de Mandato devem assumir como pressupostos que:
Desde as primeiras experiências de governos municipais do PT, em 1982, as gestões petistas são reconhecidas por implementarem canais institucionais5 de participação popular, criando o que se convencionou chamar “modo petista de governar”, introduzindo novas formas de relação entre governo e sociedade (confira o texto complementar “Orçamento Participativo”) ao adotar a prática do diálogo com os movimentos sociais, historicamente excluídos pelos governos dos processos de tomada de decisões.
No âmbito federal, os governos do PT (2003-2016) representam o momento histórico mais rico, intenso e amplo do processo participativo no Brasil. As diversas instâncias de diálogo foram ampliadas, fortalecidas e reconhecidas como espaços de debate e negociação para os processos de tomada de decisões. A interação entre governo e sociedade contribuiu para o melhor resultado das políticas públicas e tiveram importante papel indutor no fomento de processos democráticos não só na gestão federal, mas também nas instâncias estaduais e municipais.
Com o PT no governo federal, a participação social foi incrementada com:
Para dar perenidade à participação da sociedade, foram instituídos a Política Nacional de Participação Social (confira o texto complementar – Objetivos da Política Nacional de Participação Social) e o Sistema Nacional de Participação Social. A construção da PNPS e do SNPS, fruto de longo processo de debate entre governo e sociedade civil, teve início em 2007, com a realização de seminários, debates, consulta pública e a realização de Fóruns no âmbito do governo federal e de secretários estaduais de participação social. O Decreto 8.243, de 23 de maio de 2014, que instituiu a PNPS e o SNPS, provocou fortes reações no Parlamento e na mídia conservadora brasileira e foi, posteriormente, derrubado pela Câmara dos Deputados.
Além de todas essas ações, a instalação da Comissão Nacional da Verdade, mesmo com tantas resistências, conseguiu recuperar fatos importantes da nossa história recente, fundamentais para o processo de democratização do País.
Desde o golpe que interrompeu o mandato da presidenta Dilma, em 2016, os espaços de participação no âmbito federal têm passado por diversos ataques, como representação governamental sem abertura para o diálogo, não convocação das reuniões conforme calendário estabelecido e questionamentos ao caráter deliberativo de conselhos e conferências. Esse boicote acaba tendo repercussão no funcionamento dos canais de participação nos estados e municípios.
Em 2019, o governo Bolsonaro aprofundou os ataques à democracia e às diversas formas de ativismo social (confira o texto complementar – Retrocessos no Eixo Participação Popular e Cidadã e Controle Social). O mais grave deles, o Decreto 9759/2019, propôs a extinção de conselhos e colegiados participativos no âmbito do governo federal. Sabemos que o argumento utilizado – diminuir a burocracia da administração pública – é uma falácia, pois a extinção dos conselhos vai exigir a criação de novas instâncias internas ao governo para assumirem as competências exercidas por estes colegiados (funções de normatização, tomada de decisão, avaliação e monitoramento das políticas públicas etc.).
Nesse contexto crítico, é importante que os programas de governo e as propostas de mandato parlamentar do PT nas eleições de 2020 destaquem a defesa da democracia participativa e indique ações de fortalecimento dos canais de participação popular e cidadã e de controle social existentes no município e nas demais esferas de governo.
Participação e governabilidade ampliada
Para um governo voltado para a transformação da sociedade, a participação cidadã, além de ética e politicamente justa, favorece a implementação do Programa e do Plano de Governo. Isso porque reforça a correlação de forças em favor da mudança, ampliando o conjunto de sujeitos que podem garantir a governabilidade. Ou seja, assegura que todos os setores ampliem o conhecimento sobre os conflitos e as informações de governo e também sobre a ação dos demais setores políticos e sociais que concorrem para a vida do município.
Com participação cidadã, há maior possibilidade de construção da governabilidade ampliada (não restrita às negociações com os agentes tradicionais), pois contribui para formar opinião e aglutinar forças em torno de projetos do governo. Se os projetos são bons, respeitados e apoiados por diferentes sujeitos sociais, o governo tem muito mais força para negociar com o Legislativo e os demais setores sociais.
Isso é muito importante porque, numa sociedade democrática, o Executivo (governo) é apenas uma parte do poder. O Estado Democrático brasileiro é formado pelos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, independentes entre si. E há ainda os poderes não institucionalizados dos vários segmentos sociais: empresariado, sindicatos, movimentos de base etc. No entanto, não existe igualdade na distribuição do poder entre estes segmentos. Historicamente, os setores com maior poder econômico elegem representantes dos seus interesses nas três esferas do Poder Público, permitindo influenciar os processos de decisão e deter importante parcela de poder político.
Portanto, além de possibilitar o encontro de melhores soluções para os problemas da população, a participação cidadã também fortalece a concretização do programa de governo e do Modo Petista de Governar. Mesmo o governo tendo capacidade e acúmulo técnicos e políticos para formular as políticas públicas, a elaboração terá maior legitimidade se incorporar a sociedade no processo, graças ao diálogo permanente sobre sua realidade e à visibilidade conferida aos diferentes interesses em disputa.
O PT reconhece que a sociedade tem o direito de participar ativamente, assumindo suas responsabilidades na construção de uma gestão ética, democrática e eficiente. Por isso, sempre investiu na ampliação dos espaços de participação cidadã, pois a sociedade se reconhece naquilo que ajudou a construir. Assim, os governos e parlamentares do PT devem estimular e apoiar iniciativas de organização e mobilização da sociedade civil, sempre respeitando a independência dos movimentos sociais, pois é por meio do diálogo, sem temer ou escamotear os conflitos, que se disputa a hegemonia e se conquistam novos adeptos ao nosso projeto político.
Observando a experiência de governos, mesmo diferentes em suas práticas, podemos identificar algumas condições básicas para implementar políticas de participação cidadã:
Para que a participação cidadã e o controle social sejam efetivos e constituam esferas públicas democráticas, é preciso:
1 Garantidos pela Constituição Federal de 1988, os chamados Conselhos têm sido criados nas diversas esferas do Poder Público, a saber: União, Estados, Distrito Federal e Municípios, com o objetivo de dar vez e voz à Sociedade Civil em fóruns participativos, para aperfeiçoar a tomada de decisões sobre a implantação e o funcionamento das políticas públicas. Apesar de a Constituição prever a participação popular na deliberação de alguns temas, é nas leis orgânicas dos municípios que estão mais detalhadas as informações sobre os conselhos. Nelas, estão previstas a quantidade de conselhos na cidade, áreas de interesse em que atuarão e também outras regulamentações necessárias. As atribuições, funções e o funcionamento dos conselhos estão registradas em seus respectivos regulamentos. Conselhos são órgãos colegiados, permanentes e deliberativos – e, às vezes, apenas consultivos. São permanentes porque são determinados pela Constituição, além de criados por lei orgânica e regulamentados por seu regimento ou estatuto. São colegiados porque existe sempre uma “mesa” formada pelos representantes oficiais daquele conselho. Essas pessoas são chamadas conselheiras e têm responsabilidades perante o órgão. Geralmente, não são remuneradas para exercer essa atividade. Elas fazem parte do órgão, em caráter formal, cumprindo mandato de um ou dois anos. Para tal, a pessoa deve ter visibilidade e representatividade na área à qual diz respeito o conselho. Por outro lado, em muitos conselhos, os representantes da sociedade não podem ocupar cargo de livre nomeação no poder público na área de que trata o órgão. É o caso de conselhos do Fundeb, conselhos de assistência social e conselhos de saúde. Por último, são órgãos deliberativos porque visam à discussão que será encaminhada e transformada em ação – por vezes, em uma política pública. Determinam a ocorrência ou não de ações públicas, mas não lhes é atribuído executar a ação. As principais funções dos conselhos municipais são propor diretrizes das políticas públicas e fiscalização, controlar e deliberar sobre tais políticas.^
2 Mesmo durante a ditadura militar, existiam os conselhos comunitários, formados por personalidades e autoridades indicadas pelos governantes, tais como, delegados de polícia, representantes do corpo de bombeiros ou lideranças da comunidade, desde que gozassem da confiança do governo.^
3 Segundo Raquel Raichelis, a esfera pública democrática deve prever: 1 – a possibilidade de participação da diversidade de atores sociais organizados em torno de suas demandas específicas e tradicionalmente excluídos dos processos de tomada de decisões; 2 – transparência das ações promovidas por todos os envolvidos, sejam da sociedade civil ou dos poderes públicos; 3 – possibilidade de realizar controle social sobre os processos em discussão; 4 – a representação de interesses e projetos coletivos que reflitam a diversidade dos interesses presentes na sociedade; 5 – a conformação de uma cultura pública que se contraponha às práticas fisiológicas e patrimonialistas, favorecendo a cultura dos direitos.^
4Significa dizer que todas e todos participantes estarão sujeitos às mesmas regras e aos mesmos parâmetros orientadores dos processos de discussão e tomada de decisões.^
5 Canais institucionais ou mecanismos institucionais são aqueles reconhecidos e normatizados pelos poderes públicos, por exemplo, os conselhos e conferências.^
6 O Governo Aberto luta pela incorporação de quatro valores para incrementar governança e resolver os desafios públicos: 1) Acesso à Informação: Acesso público a informações mantidas pelo governo, e não apenas informações sobre atividades do governo. Exemplos: informações em dados abertos, liberação de informações proativas ou reativas, e mecanismos legais e regulatórios para fortalecer o direito à informação; 2) Participação Cidadã: Promover a participação pública formal ou abordar o ambiente operacional que permita a participação no espaço cívico. Algumas delas são: Abrir a tomada de decisões ao longo de todo o ciclo de políticas a todos os públicos interessados e reformas que melhoram a transparência e os processos democráticos formais, como propostas de cidadãos, eleições ou petições, além de envolvimento de empresas e empreendedores na agenda de governo; 3) Responsabilidade Pública: Regras, regulamentos e mecanismos que convocam os atores do governo a justificarem publicamente suas ações, com críticas, e aceitarem a responsabilidade pelo não cumprimento de leis ou compromissos. Exemplos: Auditorias cidadãs do desempenho do governo, melhorar ou estabelecer processos de recurso para negação de acesso à informação e criar sistemas públicos de rastreamento para processos de reclamações públicas (como linhas diretas policiais ou anticorrupção); 4) Novas Tecnologias e Inovação: Promover novas tecnologias que ofereçam oportunidades de compartilhamento de informações, participação pública e colaboração, uma vez que o engajamento público melhora entrega de serviços do governo. Algumas cidades do exterior com experiência de Governo Aberto: Madrid e Barcelona, na Espanha, e Lisboa, em Portugal. No Brasil, houve experiências de governo aberto em São Paulo/SP, Rio Grande/RS, bem como no governo federal, durante as gestões do presidente Lula e da presidenta Dilma.^
7 Em tempos de alto uso de meios digitais pelo cidadão comum, é necessário utilizar esse mecanismo de participação da sociedade, seja nas discussões sobre orçamento, seja em outros temas de interesse coletivo. Nesse sentido, é válido conhecer experiências internacionais como Barcelona e Madri, na Espanha, e nacionais como no município de Rio Grande, no Rio Grande do Sul, que usam ferramentas de software livre para promover a participação cidadã a partir de plataformas e aplicativos virtuais.^
8 A ampliação de temas de interesse coletivos também deve se agregar às iniciativas de participação presencial e digital. Por exemplo, na criação de uma praça ou parque é possível discutir quais equipamentos devem ser instalados, que atividades devem ser desenvolvidas para as variadas faixas etárias, de que cor o mobiliário urbano deve ser, entre outras questões.^
9 Incorporar a dimensão de indução da população a valores e práticas de cidadania deve se tornar um eixo de atuação na nossa relação com a sociedade. Nossas experiências em todos os níveis de governo demonstraram que não basta garantir a participação da comunidade, é preciso construir uma sociedade mais solidária, que tenha como objetivo a redução das desigualdades sociais e regionais do Brasil; é preciso tornar as pessoas mais comprometidas com o interesse comum, capazes de se envolver em ações comunitárias e de voluntariado e que percebam o valor da política.^
10 Os recentes avanços do populismo de direita e a erosão dos processos democráticos mostram a que ponto o oligopólio dos meios de comunicação gera deformações insustentáveis, clima de acirramento de divisões e aprofundamento de ódios e preconceitos. Uma sociedade bem informada é absolutamente essencial para o próprio funcionamento de uma gestão a serviço do bem comum.^
11Exemplo: a sociedade demanda um novo posto de saúde, mas o município está com problemas graves de saneamento. Então, o governo deve apresentar o problema e defender a prioridade em solucioná-lo^
12 A adoção do OP implica não apenas na discussão das prioridades, mas também no acompanhamento das ações incorporadas pela população. Toda administração tem limites de capacidade para realizar as ações desejadas e, por essa razão, é necessário criar um sistema de monitoramento que garanta a realização das ações do governo, em especial aquelas indicadas pela população (ver mais detalhes no Eixo Gestão Ética, Democrática e Eficiente).^
13 Tais como: orientações para criação e gestão de entidades e associações, apoio a encontros e conferências de grupos sociais ou sindicais, fóruns populares, entre outros.^
14 Essa rede pode buscar a mobilização para a construção ou reforma de uma praça, de uma unidade de saúde, para obter recursos para um grupo de apoio da unidade de saúde, para reivindicação de pavimentação na rua, para organização do campeonato de futebol, para a construção de passarelas, para a criação de equipamentos de lazer em parques e praças, para ampliação de salas de aula etc.^